sábado, 21 de junho de 2008

A Ignorância.

Se existe uma palavra que me dê nojo só de ouvir, essa palavra é 'ignorância'! Tanto é que a uso sempre com uma conotação super negativa. Tipo pra ofender mesmo alguém que eu-arrogantemente- acredito nem merecer minha consideração, meu tempo e esforço pra expressar minhas opiniões.

Milan Kundera e seu romance 'A Ignorância' me fizeram questionar um pouco esse preconceito contra a palavra. E de fato, mesmo assumindo talvez ser a última a perceber, eu ignorava por força do hábito a complexidade dela.

A história segue a mesma linha dos livros do Milan. Disseca relacionamentos, fala de idas, voltas e discute exaustivamente a saudade e a nostalgia. Define nostalgia como "o sofrimento causado pelo desejo irrealizado de voltar" e a saudade como ignorância. Ignorância é a falta de conhecimento, sabedoria sobre determinado tema. E é exatamente essa falta de alguém, de algum lugar, ou de alguma coisa que nos dá saudade.
Lindo isso, não?

Mas meu entendimento tardio de 'ignorância' não se limita a essa recente simpatia pelo termo antes tão repugnante. E nem um livro tão complexo daquele, se limitou a me propor questionamentos dicionáricos.

O livro é focado no retorno. retorno de dois personagens-Irena e Josef- a República Tcheca depois de mais de vinte anos de exílio político no estrangeiro.


Deixando um pouco de lado os lindos questionamentos sobre passado, presente e futuro ( e também a inúmeras frases marcantes sobre esses assuntos), o que mais me tocou na história foi a dificuldade da volta. O quanto os personagens não conseguiram de forma alguma se re-adaptar a terra natal. Quer dizer..na verdade, o que me tocou mesmo e me deixou com um sentimento de identificação foi o porquê os personagens não se daptaram.

Irena, por exemplo: viu suas experiências, hábitos e novo estilo de vida ignorados por suas amigas. Símbolo disso foi quando seu vinho não-sei-das-quantas foi rejeitado, trocado pela boa e velha cerveja. Ato babaca e clichèzinho pra mostrar 'Hey!Nós, pelo menos, continuamos as mesmas'. E pra piorar, durante toda a noite, complementando o pouco caso que suas amigas fazem pela pessoa diferente que ela havia se tornado, elas desconversam, ignoram, não ligam para os vinte anos de histórias que Irena tinha pra contar.

Com Josef –que havia enterrado a mulher recentemente -a situação foi um pouco diferente, mas volta ainda no mesmo problema da ignorância de quem fica(ou vai,acho que não importa).Ainda elaborando o luto, ele se viu num lugar onde ninguém se interessava por sua mulher, ninguém perguntava por ela e nem a conhecia. Era como se ela nunca tivesse existido, e de fato ela nunca existiu ali. Acredito que quando a gente ama, apagar alguém da memória definitivamente não é a melhor maneira de lidar com a morte.

Bem...é mais ou menos aí que mora minha auto-identificação com o livro. Não que eu queira comparar meus quase um ano e meio(voltando de quatro em quatro meses) fora pra estudar com mais de vinte anos de exílio político.
Mas é que sei lá, perdi as contas das vezes em que ao reencontrar amigos escuto algo do tipo “Mas você já voltou?” ou um simples e seco “e é legal lá?” e “não querendo te mandar embora, mas quando você volta pra lá de novo?”.
Nada de errado com essas frases fúteizinhas-educadas, o problema é que as pessoas tem um certo dom pra IGNORAR as outras. Ignorar que aconteceu muita coisa nesse tempo que fiquei fora. Ignorar que possivelmente eu estou mudada por conta dessa experiência, que vejo as coisas diferente, penso diferente, sinto diferente. Ignorar que talvez eu esteja cansada de responder sempre as mesmas perguntas, mas que existem assuntos que eu adoraria falar sobre. Ignorar até mesmo que eu ignoro totalmente o que aconteceu com quem ficou, e que talvez eu esteja interessada no que eu ignoro. E quando isso acontece, assim como Irena e Josef, eu sinto que uma parte de minha vida foi arrancada. Como se o tempo passado longe não importasse, não existisse agora que estou de volta.

A verdade é que um dos grandes problemas dos relacionamentos humanos é que temos a tendência a ignorar tudo aquilo que a pessoa viveu sem a gente. Ignoramos, e ignoramos por querer! Por defesa de nossa auto-estima, ou simplesmente para ficarmos ao lado de nossa escolha (que quem vai e quem fica geralmente fazem escolhas diferentes) . Mas o fato é que com isso vamos ignorando muita coisa importante, as vezes chegando ao ponto de nos distanciarmos tanto, que não existe mais volta.

Pra consolar...No caso de Irena, tinha uma amiga (amiga mesmo) pra tomar o vinho com ela, conversando sobre coisas significativas. No de Josef, a inexistência de sua mulher em sua terra natal foi insuportável. E ele voltou pra casa (exterior) o mais rápido possível.
No meu caso, tenho pessoas que não ignoram minha vida mesmo quando estou a milhares de quilômetros de distancia. (e como isso ajuda!)
Acho que as coisas sempre se acertam, e uma certa dose de ignorância é saudável. O segredo é deixar o futuro fluir...mas sem ignorar aquilo(ou aqueles) que queremos saber.

Ahhhhh! Sobre minha descoberta dicionárica!!! O problema com a palavra ‘ignorância’ não é a falta de conhecimento sobre o tema, mas sim o fato de que quando usamos a palavra nos referimos a falta de conhecimento proposital.
Ignorante não é quem não sabe, mas quem não quer saber!Por isso que a palavra sooa tão nojenta.

Não sei porque, mas tenho a impressão de que fui muito ignorante sobre a ignorância até agora.